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Pequena Idade do Gelo março 15, 2017

Fonte: http://www.superinteressante.pt/index.php/historia/artigos/2253-memorias-do-frio

Memórias do frio
altA Pequena Idade do Gelo

Entre os séculos XVI e XIX, a Europa passou por sucessivas vagas de frio que desencadearam crises de fome e revoltas sociais. Segundo alguns especialistas, as oscilações climáticas exercem uma influência decisiva na história.

Os luteranos acreditavam que o frio intenso e as abundantes quedas de neve que afetaram a cidade alemã de Leipzig, em 1562, eram sinal da ira de Deus perante os pecados do homem. A repentina descida da temperatura marcou o início da Pequena Idade do Gelo, um longo período de instabilidade climática com cinco picos de máxima intensidade: 1590, 1650, 1680, 1770 e 1816.

Ao longo do século XVI, os cronistas deixaram registo de chuvas torrenciais que se prolongavam durante semanas e semanas. Os campos acabados de arar transformaram-se em grandes lagos e o trigo que escapou ao arrefecimento tombou por terra sob o peso da água. O resultado foi que o preço do grão subiu em flecha e o pão tornou-se escasso, o que desencadeou motins em muitos lugares do Velho Continente.

Na aldeia alemã de Wiesensteig, mais de cinquenta mulheres foram condenadas à fogueira. Em Inglaterra e França, as execuções atingiram o ponto culminante em 1587 e 1588. “Os 25 anos decorridos entre 1585 e 1610 foram terrivelmente frios e devastadores. Foi nesse período que se produziram as maiores perseguições a bruxas”, afirma o estudioso britânico Brian Fagan. Pintores flamengos da época, como Pieter Brueghel, o Velho, ou Hendrick Avercamp, deixaram-nos quadros de costumes que retratam a atmosfera gélida das cidades holandeses.
água pelo pescoço

As calamidades povoam as crónicas da época. De 11 a 22 de novembro de 1570, as vagas causadas por um vendaval que se deslocou de sudoeste para nordeste sobre o mar do Norte derrubaram diques e outras defesas costeiras nos Países Baixos. Morreram cerca de cem mil pessoas. Os dez anos seguintes foram marcados por terríveis tempestades, como a que fez naufragar um quarto da Invencível Armada, em setembro de 1588. “As condições eram tão duras que se tornava impossível distinguir um navio de outro”, relatou um marinheiro espanhol. De facto, a inclemência revelou-se mais letal para os navios ibéricos do que os ataques ingleses. O temporal foi descrito por um oficial britânico como “uma ventania tremenda, uma tempestade como não se via e ouvia há muito, o que nos alimentou a esperança de que muitos barcos [portugueses e espanhóis] seriam fustigados e lançados contra as costas”.

Todavia, se Filipe II de Espanha (I de Portugal) não conseguiu invadir a Inglaterra por culpa do tempo, os monarcas da dinastia Tudor tiveram de enfrentar vários anos de más colheitas e uma fome que matou milhares de pessoas. Philip Wyot escreveu, em 1596: “Durante todo o mês de maio, não houve um único dia ou uma única noite sem chuva. Chegam poucos cereais ao mercado.” Em 1607, as geadas brutais afetaram a produção vinícola, que se viu drasticamente reduzida na Suíça, na Hungria e na Áustria. Além disso, os rios holandeses gelavam durante o inverno, o que impedia o transporte de mercadorias e o abastecimento das cidades.

O clima influencia, efetivamente, o curso dos acontecimentos humanos. Entre os anos 900 e 1300, produziu-se o chamado “Período Quente Medieval”, com uma temperatura média que ultrapassava a atual em um a dois graus. Os cientistas designam a época por “Pequeno Ótimo Climático”, por ter coincidido com um dos maiores períodos de prosperidade humana. O clima ameno facilitou a secagem de pântanos, o que reduziu a presença de mosquitos e os casos de malária. O florescimento das artes e da arquitetura materializou-se na construção de imponentes catedrais, como a de Notre Dame, em Paris, cuja primeira pedra foi colocada pelo papa Alexandre III, em 1163.

Além disso, sabe-se que milhares de agricultores da Baixa Idade Média amanharam campos em sítios onde, agora, é praticamente impossível qualquer cultivo. Na Suíça, os camponeses também conseguiram semear zonas montanhosas. Porém, com a chegada da Pequena Idade do Gelo, as terras altas tornaram-se uma armadilha.

Os intervalos de mau tempo prosseguiram durante os séculos XVII, XVIII e princípio do século XIX. Em Espanha, surgiram massas de gelo em zonas geográficas onde hoje nem sequer neva. O investigador José Quereda Sala recorda que o rio Ebro, por exemplo, ficou várias vezes gelado durante aquele ciclo. As bruscas oscilações provocaram descidas de um e dois graus em algumas zonas do hemisfério norte. Embora não pareça muito, foi suficiente para transtornar a vida de milhões de pessoas.

Poder-se-ia dizer, então, que as vagas de frio alteraram o curso da história? Muitos historiadores negam a hipótese, mas há outros que não ignoram a sua importância. As anomalias climáticas de curta duração, características daqueles dois séculos e meio, constituíram uma fonte de tensões nas sociedades do norte da Europa.

David D. Zhang, investigador da Universidade de Hong Kong, assinala que uma súbita descida das temperaturas pode conduzir a guerras e conflitos sociais. “A causa direta costuma ser a subida do preço dos cereais, sempre desencadeada por más colheitas e, frequentemente, por uma variação repentina do estado do tempo.” Foi precisamente o que aconteceu em 13 de julho de 1788, em França, dando origem a uma tremenda queda de granizo sobre Paris. Os cronistas afirmaram que algumas pedras de gelo chegavam a alcançar 40 centímetros de diâmetro.

A inesperada tempestade destruiu totalmente as colheitas e deitou abaixo cerca de quatrocentas casas de campo. As autoridades não souberam reagir à devastação e, um ano depois, uma fogaça de pão custava um preço tão exorbitante que provocou motins. O clima não foi a principal razão para a Revolução Francesa, mas a miséria e a fome intensificaram a fragilidade social que iria conduzir aos acontecimentos de 1789.

altUm fino véu de cinzas

O que teria provocado essa brusca descida da temperatura? Embora não haja consenso, alguns climatólogos respondem que uma das causas pode ter sido a agitação solar associada às manchas do astro-rei. Possivelmente, também teve influência o aumento da atividade vulcânica, cujas erupções cobriram com um fino véu de cinza as camadas altas da atmosfera.

Entre 16 de fevereiro e 5 de março do ano 1600, registou-se a erupção do vulcão Huaynaputina, na cordilheira dos Andes (Peru), o qual lançou uma chuva impressionante de pedras e cinzas. O verão de 1601 foi o mais frio de que havia memória desde 1400 e conta-se entre os mais gélidos dos últimos 1600 anos nos países escandinavos. Na Europa Central, o Sol e a Lua exibiam uma cor avermelhada, a sua luz mal se via e quase não brilhavam, como foi descrito por algumas testemunhas.

Uma parte do fino pó vítreo cuspido pelo Huaynaputina foi depositar-se nos gelos da Antártida: os climatólogos encontraram vestígios nos estratos que correspondem ao perío­do 1599–1604. Os elevados níveis de sulfato que descobriram indicam que a quantidade de sedimento que lançou na estratosfera duplicou a do filipino Pinatubo, que explodiu em junho de 1991.

A erupção do Huaynaputina não foi exceção. O planeta sofreu picos de frio relacionados com a atividade vulcânica nos anos 1641–1643, 1666–1669, 1675 e 1698–1699. Os cientistas desconhecem a que erupções se deveram, exceto a do monte Parker, também nas Filipinas, um vulcão que despertou a 4 de janeiro de 1641. Nas palavras daqueles que assistiram ao fenómeno, ao meio-dia parecia noite fechada.

Um verão horroroso

Outra das grandes erupções dos últimos tempos ocorreu em 19 de abril de 1815 na ilha indonésia de Sumbawa, a leste de Java, a qual foi sacudida pela explosão do Tambora. O cone superior do vulcão foi projetado na atmosfera na forma de lava e cinzas, o que escureceu o céu num raio de 500 quilómetros. Pelo menos 12 mil pessoas morreram como consequência direta da erupção, e outras 44 mil sucumbiram à fome nas ilhas vizinhas.

As consequências fizeram-se sentir em todo o mundo: 1816 foi batizado como “o ano sem verão”. As baixas temperaturas foram acompanhadas por chuvas intensas na Europa Central e Ocidental durante os meses cruciais para o desenvolvimento dos cultivos. Os habitantes de Taranto, no sul de Itália, observaram flocos de neve vermelhos e amarelos a cair do céu.

Em junho de 1816, Mary Shelley, o seu marido, Percy Bysshe Shelley, e outros amigos foram visitar o poeta lord Byron e o seu médico pessoal, John William Polidori, que tinham arrendado uma moradia nas margens do lago Léman, na Suíça. Foi um verão tão frio que o grupo passou grande parte do tempo dentro de casa. A fim de se entreterem, conceberam uma espécie de concurso para ver quem escrevia a narrativa mais aterrorizadora. Mary Shelley imaginou a história de Frankenstein e Polidori escreveu O Vampiro, texto que inspirou diversas narrativas de mortos-vivos, como o lendário Drácula, de Bram Stoker.

Na Europa, que ainda estava a recuperar das guerras napoleónicas, os motins suscitados pela escassez de pão e outros alimentos reapareceram com uma violência inusitada. A crise durou vários anos e deu origem a um êxodo maciço em algumas nações: milhares de ingleses e de alemães da Renânia partiram para os Estados Unidos. Um estudo sobre o fenómeno na península Ibérica cita o testemunho de um certo José Manuel da Silva Tedim, habitante de Braga que registou desta forma o invulgar comportamento da meteorologia em julho de 1816: “Tenho 78 anos e nunca vi tanta chuva e tanto frio, nem mesmo em meses de inverno.” Em Espanha, nevou em julho…

F.C.

SUPER 175 – Novembro 2012

 

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