
A perda de um único gene do DNA de nossos ancestrais, há dois ou três milhões de anos, pode ter aumentado o risco de doenças cardiovasculares em toda a espécie humana, ao mesmo tempo que levou a um maior risco para humanos que comem carne vermelha. É o que sugere um estudo realizado por Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), cujos resultados foram publicados em 22 de julho de 2019, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
A aterosclerose — o entupimento de artérias com depósitos de gordura — é a causa de um terço das mortes em todo o mundo decorrentes de doenças cardiovasculares. Existem muitos fatores de risco conhecidos, incluindo colesterol sanguíneo, sedentarismo, idade, hipertensão, obesidade e tabagismo, mas em aproximadamente 15% dos casos de doença cardiovascular (CVD) devido à aterosclerose, nenhum desses fatores se aplica.
Há uma década, Nissi Varki, professora de patologia na Faculdade de Medicina da UCSD, juntamente com o coautor Ajit Varki, professor de medicina celular e molecular, observaram que a ocorrência de ataques cardíacos coronários devido a aterosclerose é virtualmente inexistente em outros mamíferos. Isso inclui chimpanzés, nossos parentes próximos, e até mesmo aqueles mantidos em cativeiro e com fatores de risco semelhantes aos humanos, tais como lipídeos sanguíneos elevados, hipertensão e sedentarismo. Em vez disso, os “ataques cardíacos” dos chimpanzés foram causados por cicatrizes ainda não explicadas no músculo cardíaco.
No novo estudo, os Varkis, em parceria com o professor assistente de medicina Philip Gordtsm e outros colaboradores, relatam que camundongos que, assim como seres humanos, sofreram modificações para carecerem de uma molécula de açúcar do tipo ácido siálico, chamada Neu5Gc, demostraram um aumento significativo na aterogênese em comparação com camundongos de controle, que retiveram o gene CMAH responsável por produzir o Neu5Gc.
Os pesquisadores acreditam que uma mutação que inativou o gene CMAH ocorreu há alguns milhões de anos em ancestrais hominídeos, um evento possivelmente ligado a ação de um parasita da malária que reconheceu o Neu5Gc.
Em seu estudo, a equipe de pesquisa disse que, nos camundongos, a eliminação do equivalente em humanos ao CMAH e, por consequência, do Neu5Gc causou um aumento de quase duas vezes na gravidade da aterosclerose em comparação com camundongos não modificados.
“O aumento do risco parece ser impulsionado por múltiplos fatores, incluindo células brancas hiperativas e uma tendência à diabetes em ratos semelhante a que vemos em humanos”, disse Ajit Varki. “Isso pode ajudar a explicar por que mesmo os seres humanos vegetarianos, sem quaisquer outros fatores óbvios de risco cardiovascular, ainda são muito propensos a ataques cardíacos e derrames, enquanto outros parentes evolucionários não são.”
Mas, ao consumir carne vermelha, os seres humanos também são repetidamente expostos ao Neu5Gc, que, segundo pesquisadores provocam uma resposta imune e inflamação crônica que eles chamam de “xenosialitis”. Em seus testes, ratos modificados com falta do gene CMAH (assim como humanos) foram alimentados com uma dieta rica em Neu5Gc e em gordura, e posteriormente sofreram um aumento de 2,4 vezes na aterosclerose, o que não poderia ser explicado por alterações nas gorduras ou açúcares sanguíneos.
“A perda evolutiva humana de CMAH provavelmente contribui para uma predisposição à aterosclerose por fatores intrínsecos e extrínsecos (de dieta)”, escreveram os autores, “e estudos futuros poderiam considerar o uso desse modelo mais humano.”
Em trabalhos anteriores, os Varkis e seus colegas já haviam demonstrado que dietas com Neu5Gc promovem inflamação e avanço de câncer em ratos deficientes de Neu5Gc, sugerindo que a molécula não-humana do açúcar, que é abundante na carne vermelha, pode explicar, pelo menos em partes, a ligação entre o alto consumo de carne vermelha e certos tipos de câncer.
Curiosamente, a perda evolutiva do gene CMAH parece ter produzido outras mudanças significativas na fisiologia humana, incluindo a redução da fertilidade humana e maior capacidade de percorrer longas distâncias.
Universidade da Califórnia em San Diego
FONTE:
A perda de um único gene tornou humanidade suscetível a ataques cardíacos